sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Quadrinhos e literatura

Quadrinho é arte? É literatura? De vez em quando surgem comparações e questionamentos assim. Que é arte, ninguém duvida. Tem até classificação oficial. Numa das postagens anteriores desse blog, no curta-metragem História em Quadrinhos bem no finalzinho ta lá: A História em Quadrinhos reivindica para si o título de oitava arte do século. Hoje sabemos que os quadrinhos perderam o título para a fotografia, mas a nona arte é dos quadrinhos. Independente de qualquer oficialização basta entrar no clima, ler os grandes clássicos e conhecer os novos talentos pra descobrir se quadrinhos é arte. Talvez o que atrapalhe seja o enorme preconceito ainda existente em relação à linguagem, associando a coisas de crianças. E literatura? Bem, acho que são coisas distintas, com especificidades próprias de cada linguagem. Mas a relação existe e é muito forte. Em comum à utilização da escrita e do suporte gráfico, mas a semelhança para por aí. Alguns autores preferem utilizar pouco à escrita, tornando a linguagem dos quadrinhos ainda mais universal. É o caso de Carl Anderson que desenhava seu personagem Pinduca até sem boca, ou Otto Soglow e seu Reizinho, ou ainda Peter Kuper com Spy X Spy, que aboliu totalmente os diálogos escritos. Na literatura a imagem forma-se pelas palavras, enquanto nos quadrinhos ela vem associada ao desenho para tomar sentido. Daí a necessidade de “aprender” a ler quadrinhos para gostar. Se antes era visto como pernicioso à formação da criança, hoje se sabe que é justamente o contrário. Criança que lê quadrinhos será um leitor para sempre...e leitor de qualquer texto. Fato emblemático foi à recente entrada de Mauricio de Sousa para a Academia Paulista de Letras. É o reconhecimento, por parte dos acadêmicos, da importância que seu trabalho teve na formação de milhares de novos leitores. Outro dado relevante é a participação de quadrinistas na Flip, o maior evento de literatura realizado no país. Na edição de 2010 estiveram presentes Robert Crumb e Gilbert Shelton e nesse ano Joe Sacco. Os maiores roteiristas de quadrinhos vem, naturalmente, da literatura. É o caso de Dashiell Hammet, roteirista do Agente Secreto X-9, desenhado por Alex Raymond. Dashiel é autor de O Falcão Maltes e de inúmeros roteiros para cinema. No Brasil tem Lourenço Mutarelli, que também é ótimo desenhista, mas que aos poucos deixa de fazer quadrinhos para dedicar-se a literatura (é o que parece). Sem esquecer de R. F. Lucchetti, uma dos escritores mais profícuo que conheço (escreveu mais de mil livros). É comum a versão em quadrinhos de obras literárias. E isso não vem de agora. Nas décadas de quarenta e cinqüenta as adaptações dos clássicos da literatura universal e brasileira eram bastante aceitas pelo público e muitas séries surgiram, principalmente publicadas pela editora Brasil-América, mais conhecida como EBAL, de Adolfo Aizen. Novo impulso veio a partir de 2006 quando o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que procura incentivar o hábito da leitura em estudantes de escolas públicas do ensino fundamental e médio, do Governo Federal, incluiu histórias em quadrinhos, de cunho educativo, no acervo que distribui a estabelecimentos de ensino de todo o País. As críticas vieram juntas – muitos questionavam a qualidade dessas adaptações. Em minha opinião o que torna uma adaptação chata é quando o autor tenta torna-la “pedagógica” e abre mão do principal: a linguagem própria do quadrinho. Ilustrar um texto com desenhos é uma coisa, “quadrinizar” é outra. Lembrando que nunca haverá tradução fiel ao texto, fato que acontece em qualquer transposição de linguagem, mas uma boa adaptação desperta sim a curiosidade para procurar ler o original, principalmente em jovens e crianças. É como assistir um filme relativo à matéria que se esta estudando: motiva; apresenta novos pontos de vista; diverte. Penso que aprender envolva todos os sentidos. No Garatuja há vários gibis que são adaptações da literatura: Contos do beatnik Charles Bukowski, desenhado pelo alemão Mathias Schultheiss; David Copperfield, de Charles Dickens publicação de 1960 pela Edição Maravilhosa e o brasileiro Ubirajara, de José de Alencar quadrinizado pelo português José Ruy. Como destaque três clássicos da literatura, com ótimas adaptações. A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Steverson, desenhado por Hugo Pratt. A Ilha do Tesouro é uma história de piratas e corsários, escrita no século XIX, matriz do estereótipo “perna de pau e papagaio no ombro” que já empolgou muitos jovens do passado antes da febre de Piratas do Caribe e seu galã Johnny Depp. O desenhista Hugo Pratt, que já morou em São Paulo, tem uma narrativa muito próxima ao cinema, com uma fluência incrível. Depois que se começa a ler é impossível parar no meio. Outro clássico da literatura adaptado aos quadrinhos que temos no Garatuja é O Alienista. Seu autor, Machado de Assis, é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos e nessa história conta as desventuras de Simão Bacamarte, um médico psiquiatra que funda um manicômio e acaba internando todo mundo na pequena Vila de Itaguaí. A adaptação é dos aclamados gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. Com essa história eles ganharam a 500 Prêmio Jabuti de Literatura na categoria. Outro clássico do acervo é A Metamorfose, de Franz Kafka, na adaptação de Peter Kuper, citado acima como desenhista de Spy X Spy, criação de Antonio Prohías. Em Metamorfose, Kafka narra o estranhamento do jovem Gregor Samsa ao acordar e perceber que virou uma barata. Abaixo o vídeo La Metamorfosis, que achei na internet. Nada a ver com quadrinhos, mas não resisti em posta-lo uma vez que falei de boas adaptações. Veja o vídeo, leia o gibi e não leia o livro se for capaz!





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