Acervo Garatuja |
Em janeiro de 1969, surgia nas bancas de São Paulo, e depois no Brasil inteiro, a revista em quadrinhos O Estranho Mundo de Zé do Caixão, título de um dos filmes mais famosos de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Esse gibi surgiu graças ao genial R. F. Lucchetti, roteirista e idealizador do projeto. A revista se tornaria um ícone do quadrinho nacional, graças às inovações que já vinham desde as tentativas anteriores de Lucchetti e do desenhista Nico Rosso com a revista A Cripta - outro divisor de águas do quadrinho de terror nacional. Mas em O Estranho Mundo de Zé do Caixão a dupla foi extremamente feliz. As inovações começavam no tamanho maior da revista, totalmente diferente das demais revistas publicadas na época. Nas 52 páginas internas uma série de novidades que as tornariam únicas. A começar pela temática genuinamente brasileira. Sem as influências do terror europeu, as histórias vinham do imaginário popular brasileiro ligado à magia negra, à macumba e aos rituais satânicos, com personagens e tipos físicos facilmente identificáveis com o nosso povo. O desenho primoroso de Nico Rosso e o uso acentuado do meio tom valorizavam o enredo, criando um clima “noir”, imprimindo maior dramaticidade à história. A revista trazia ainda a figura do narrador em fotografia, e não desenhado como era comum. Nesse caso, o Zé do Caixão era o próprio narrador. Trazia ainda a adaptação em fotonovela do filme O Estranho Mundo de Zé do Caixão. Tudo isso compunha a melhor adaptação já feita do cinema e da televisão para os quadrinhos, sem perder a essência da linguagem quadrinizada. A ideia da revista surgiu de Lucchetti, que um ano antes escrevera os scripts do programa de televisão apresentado por José Mojica Marins aos sábados na TV Tupi de São Paulo. Com os originais da revista na mão, que levava o mesmo nome do programa televisivo, Lucchetti inicia uma exaustiva peregrinação pelas editoras da época. A Editora Prelúdio acaba aceitando o desafio. E, mesmo custando mais que as demais revistas, acabou tornando-se um grande sucesso. Porém - e sempre há um porém, algumas situações anteciparam o fim da revista. Os bastidores da História em Quadrinhos estão repletos de situações ligadas a traições, disputas e puxadas de tapetes, desde os primórdios da linguagem, como a conhecida disputa entre Pulitzer e William Hearst, passando pela extinção da Editora Outubro e outras histórias. No quarto número de O Estranho Mundo de Zé do Caixão, Lucchetti e Nico Rosso foram surpreendidos pela noticia da venda da revista para outra editora. O negócio foi feito pelo próprio José Mojica, que aceitou, segundo ele, uma proposta irrecusável. O fato é que a mudança causou desconforto geral e antecipou seu fim. O número seguinte da revista, publicado pela Editora Dorkas, ainda continha matéria da dupla Lucchetti/Nico Rosso, mas sem os devidos créditos. As mudanças da nova editora não tiveram o mesmo sucesso dos números anteriores e a revista parou depois de publicar somente mais duas edições. Esse fato contribuiu para a falência da Editora Prelúdio, que havia investido fortemente no projeto ao adquirir grande quantidade de papel para sua impressão. Após acordo entre os envolvidos, uma segunda tentativa de publicação a revista aconteceu em 1970. Dessa vez, com o nome Zé do Caixão no Reino do Terror, uma vez que o nome anterior pertencia agora a Editora Dorkas. Não deu certo, a galinha dos ovos de ouro estava morta. No acervo do Garatuja guardo com carinho essas raridades. Algumas delas adquiri do próprio amigo Rubens Francisco Lucchetti, que fez anotações na revista salientando esses fatos. Essas revistas são, sem dúvida, clássicos da linguagem dos quadrinhos. Esse termo, apesar da infinidade de definições, traduz com eficiência a sua importância: “Clássico é uma obra que, por sua qualidade tem valor reconhecido, constitui um modelo e é uma referência.”